domingo, 14 de abril de 2019

Valpaços: E a Sua Terra Não Mais Ardeu

De leitura obrigatória a efeméride recordada pelo Diário de Notícias

Eu ainda me lembro bem. No passado dia 31 de Março passaram trinta anos que o povo de Valpaços se uniu (em 1989) numa altura em que o governo de Cavaco Silva financiara, a fundo perdido, a plantação de eucaliptos. E o povo uniu-se, e mesmo contra o forte regimento policial, arrancaram uma plantação de eucaliptos que a Soporcel tinha plantado na região.



Uns meses antes da guerra, começou a conversar sobre o seu medo com algumas das mais relevantes personalidades do vale. Grandes proprietários, políticos da terra, as famílias mais reconhecidas. «Lentamente começou a formar-se um consenso de que o lucro fácil do eucalipto seria a médio prazo a nossa desgraça. Não queríamos deixar secar a nossa terra. E não queríamos arder aqui todos. Tínhamos de destruir aquele eucaliptal, custasse o que custasse.»

«Nessa altura o ministério da agricultura defendia com unhas e dentes a plantação de eucalipto.» Álvaro Barreto, titular da pasta, fora anos antes presidente do conselho de administração da Soporcel e tornaria ao cargo em 1990, pouco depois das gentes de Valpaços lhe fazerem frente.

Ao início houve renitência, a madeira valeria sempre mais do que a azeitona, e a castanha ainda não rendia o que rende hoje. «Mas tentámos sempre centrar a conversa no que aconteceria daí a uns anos, dizer que os eucaliptos secariam os solos e o povo ficaria refém de uma única cultura, que se alguma coisa corresse mal não teriam mais nada.»

«Então se tínhamos o melhor azeite do país íamos dar cabo dele para enriquecer uns ricalhaços de fora?» Tem 86 anos e uma destreza de 30, hoje estuga o passo para mostrar a zona que podia ter sido caixa de fósforos. «Vê, nem um eucalipto plantado. E o nosso vale há mais de 30 anos que não arde. Se o povo não se tem unido hoje estávamos a viver a mesma desgraça que vimos por esse país fora.»

«Podem achar que somos gente do campo, sem educação nem conhecimento, mas nós cá soubemos defender a nossa terra», diz o velhote. «Temos chorado muito por esta gente que perdeu vidas e animais e casas. E há uma coisa que o meu povo sabe: se temos deixado ficar os eucaliptos, também hoje choraríamos pelos nossos.»

Tivesse todo o país rejeitado a plantação generalizada de eucaliptos, e hoje, todos, seríamos bem mais ricos, e tínhamos um país muito menos assolado pela severidade dos incêndios. A reportagem pode ser lida na íntegra AQUI.

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