Já não sei ao certo qual foi a primeira árvore que plantei, nem a idade que teria, e claro que aquelas árvores que as crianças plantam com a ajuda dos professores no dia mundial da árvore também não contam como é lógico. Mas lembro-me bem de, ainda na adolescência, teria uns quatorze ou quinze anos, ter recolhido duas pequenas plantas, e de as ter trazido para plantar em casa.
Eu vivo num pequeno meio rural recortado pelo rio Douro, e em criança era muito comum encontrarem-se muitos azevinhos por aqui, e lembro-me particularmente de uma zona onde o meu avô construiu a sua casa, reaproveitando uma velha casa centenária em pedra de laje a poucos metros do rio. Esse sítio era longe do centro da povoação, não tinha estrada, era basicamente um caminho de cabras, sem sequer iluminação. A estrada, os postes de eletricidade e a água canalizada chegariam depois dos meus avós terem ido para lá morar.
Naquele local, a cem metros da casa, tinha por lá imensos azevinhos, e eu achei que deveria trazer um bocadinho daquela planta mágica para casa. Ainda me lembro bem que na altura trouxe uns pequenos filhotes e tive a preocupação de escolher uns que fossem rebentos de árvores que tinham bagas. Ainda não teria a explicação na altura, mas já sabia que uns davam bagas e outros não, e assim teria a certeza que os meus azevinhos iriam dar bolinhas vermelhas no futuro. Esses dois pequenos azevinhos, plantados por mim, têm hoje mais de vinte anos, e talvez uns cinco metros de altura.
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Azevinho - Ilex Aquifolium |
E em boa altura os trouxe. A ganância por um lado e a estupidez por outro, ou os dois juntos! fez com que aos poucos esta árvore fosse completamente dizimada. Uns cortados para enfeites de natal e outros cortados para serem vendidos - e eu ainda me lembro bem de ver pessoas a vender montes de ramos de azevinho nas beiras das estradas - acabaram, em pouquíssimo tempo, por quase por extinguir a espécie que crescia aqui espontaneamente. A ganância era tanta que chegaram inclusive a ir cortar metade de um azevinho num terreno privado com uma pequena casa que só era habitada ao fim de semana - dá para acreditar? E o fenómeno não aconteceu por aqui mas um pouco por todo o país onde eles existiam, em especial no norte, onde a espécie se dá melhor, por preferir solos mais ácidos.
Entretanto o azevinho passou a ser espécie protegida em Portugal em 1989, mas só depois do mal feito é que se colocou trancas na porta, e a verdade é que a espécie está quase extinta. Quando antes se encontravam espontâneamente, debaixo dos carvalhais onde gostam de crescer, hoje quase só mesmo em parques ou nos jardins das nossas casas. Fez-se a lei, mas nestes mais de vinte anos foi feita alguma coisa para reverter a situação? Claro que não, se os governos não se interessam com as vidas das pessoas vão agora estar preocupados com uma árvore, ainda por cima que não dá nenhum dinheiro a ganhar, estão preocupados sim mas é em eucaliptar o país que dá muito ganhar aos senhores amigos da pasta do papel.
Aqui perto de casa existe um azevinho no monte, já com uns três ou quatros metros de altura e intacto, certamente porque não dá bolas, se desse, estou em crer que não seria a lei que o impediria de ser mutilado, por outro lado também é verdade que está num sítio muito pouco visível e pouca gente passará lá.
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Azevinho silvestre |
Do lado direito desta estrada em terra batida que serve unicamente de acesso à proteção civil e aos montes da encosta eucaliptada encontra-se o azevinho à sombra de sobreiros e carvalhos.
Não tem um só tronco mas sim vários pequenos troncos
Azevinho com múltiplos troncos |
e mais interessante, não vi qualquer sinal de nenhuma praga. O azevinho, e falo pelo exemplo dos meus, é muito propenso à conchonilha e aos pulgões que atacam os rebentos novos, e muitas vezes em parque ou jardins, muitas vezes vejo azevinhos com fumagina, com as folhas completamente pretas. Pois este azevinho silvestre em plena natureza, está viçoso e com as folhas bem verdes e brilhantes.
Mas o problema foi esse, dizimaram os azevinhos que dão as bolas vermelhas, que são os frutos que contêm as sementes que irão originar novas plantas. Ora matando as fêmeas - a explicação para uns darem bolas e outros não, é simples, na natureza a planta pode ser macho ou fêmea e só as fêmeas dão os frutos - e matando as fêmeas ou cortando todos os ramos com as bolinhas vermelhas, acaba-se com a propagação. Seria o mesmo que se cortar os testículos a todos os bebés que nasçam! quando o último homem morresse a espécie estaria extinta passados uns anos quando a última mulher morresse também.
Ainda por cima estamos a falar de uma semente que pode demorar vários anos a germinar. Cada baga contém três ou quatro sementes. Desde o momento em que a baga cai ao chão e a semente germina muito tempo se passará. Daí que se forem recolhidas sementes ainda verdes e colocadas a germinar nada acontecerá. Na imagem abaixo temos as famosas bolinhas vermelhas, e as sementes propriamente ditas, mas pelo menos já um ano depois de terem caído ao chão e estão então agora preparadas para germinar.
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Bagas e sementes de azevinho |
Entretanto de há uns quatro ou cinco anos para cá, aos poucos começaram a nascer azevinhos um pouco por todo o meu terreno. São muitas as sementes que caem ao chão, muitas bagas comidas pelos pássaros e não é de estranhar que a maior quantidade de plantas nasça debaixo da copa das árvores, por um lado porque é onde as sementes encontram um solo mais solto e fértil, mas por outro, porque é local de refúgio da passarada que de inverno se alimenta das bagas.
Com alguma paciência transplanto umas largas dezenas das pequenas plantinhas para vasos ou outros recipientes, afinal estamos a falar de azevinhos espontâneos provenientes de uma espécie autóctone cá da terra. Até no terreno baldio vizinho já nasceem azevinhos, não sei se sementes levadas pelo ventos ou pássaros, ou de sementes que eu mesmo atirei para lá.
E se a semente demora anos a germinar, a verdade é que depois de termos uma pequena planta com cinco centímetros, ela cresce razoavelmente bem. Basta ver a diferença como, em ano e meio, estes azevinhos trigémeos cresceram rápido.
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Azevinho com ano e meio de diferença |
Aproveitei e experimentei também pegar num azevinho - escolhi o que tinha as raízes mais interessantes - e tentei fazer dele um bonsai. Acho que fui demasiado ansioso, a árvore deveria ter estado mais tempo a engrossar e adquiri mais alguma forma antes de a transplantar para um vaso de bonsai, mas pronto, agora às poucos irei tentando reduzir-lhe o tamanho das folhas, e dar-lhe um formato mais interessante com melhores proporções. Não é fácil, ainda estou muito verde neste arte, afinal esta foi a primeira verdadeira experiência feita por mim, mas aos poucos pode ser que lhe apanhe o jeito.
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Evolução de azevinho transformado em bonsai |
# Azevinho - Ilex aquifolium "Myrtifolia"