Ute Schmiedel/Handout |
Numa reportagem do The Guardian ficamos a saber que, depois de quase uma década sem precipitação, 10 mm de chuva foi o suficiente para causar o florescimento de um deserto inteiro na África do Sul. Espécies raras no Parque Nacional Richtersveld despertaram e floresceram pela primeira vez em nove anos, para depois serem roubadas para o comércio ilegal de plantas. A caça furtiva de plantas não é nova, nem é exclusiva da África do Sul, mas as compras de plantas de interior, inspiradas pela pandemia exacerbaram o problema em todo o mundo.
De acordo com Pieter van Wyk, botânico do viveiro de Richtersveld, este é o deserto com a maior biodiversidade do mundo. Com sua geologia única, incluindo as montanhas mais antigas do mundo e localização criando um ecossistema perfeito para o desenvolvimento de muitas plantas, mais de 3.000 espécies de plantas existem em uma área relativamente pequena, incluindo 400 endémicas da região. Muitas dessas são suculentas muito apreciadas que alcançam preços elevadíssimos no mercado negro. Algumas espécies que são tão especializadas que existem apenas num vale ou no topo de uma montanha. Há até casos até em que uma espécie inteira vive numa área mais pequena do que um campo de futebol, então, "um caçador pode extinguir uma espécie só numa manhã".
"Em relação às raras, mais da metade das plantas da região não eram raras, mas agora estão-se a tornar raras" devido a fatores ambientais e humanos, disse van Wyk ao EcoWatch.
Van Wyk acrescenta que, como a procura é muito elevda e a oferta é baixa, especialmente para espécies carismáticas e ameaçadas de extinção, torna o mercado negro bastante lucrativo. Plantas sul-africanas como as de Richtersveld são vendidas para lugares distantes por organizações criminosas que revendem para moradores desesperados e até turistas.
"As pessoas aqui não têm trabalho ... estão estão desesperadas por dinheiro e comida, dispostas a ganhar dinheiro rápido". Devido ao aumento do interesse em plantas raras, "agora estas organizações criminosas pagam vários meses de salário aos moradores locais por plantas que, no final, irão ser vendidas para a Ásia e Europa, bem como para a América, por valores que poderiam sustentar uma família durante anos em Namaqualand."
Van Wyk observou que o apelo do mercado negro continua a crescer porque os viveiros éticos e legais podem levar entre cinco a quinze anos para ter stock suficiente para revenda, enquanto ter que lidar com toda a burocracia das regulamentações de exportação e obter licenças.
Ele contou ao The Guardian que a caça ilegal de plantas na África do Sul pode eclipsar a lucrativa indústria de cornos de rinoceronte. O botânico teme que muitas espécies icónicas possam extinguir-se dentro durante a sua vida, tendo já testemunhado perdas massivas nos últimos cinco anos. Isso deve-se principalmente à caça ilegal e à perda de habitat para agricultura, mineração e por causa da crise climática.
O botânico também alertou que o ciclo do crime global-local fez com que os moradores locais caçassem ainda mais do que lhes é pedido. "O esquema de ganhar dinheiro rápido tornou-se viral entre os moradores que agora apanham as plantas mesmo não tendo compradores, causando destruição em grande escala com muitas plantas acabando por ir para o lixo".
Ele alertou também que essa perda de biodiversidade terá um impacto maior na ecologia geral, na saúde do ecossistema e na regulação do clima. "Isso tem um impacto grave sobre os humanos também, já que esta área eventualmente se tornará inabitável, e provavelmente em breve".
A caça furtiva por si não é um crime novo nem se limita à África do Sul. O Serviço de Pesca e Vida Selvagem dos Estados Unidos da América define o ato como a remoção ilegal de plantas raras e ameaçadas de extinção de seu habitat natural. As plantas são roubadas sem levar em conta as leis e regulamentos criados para sua proteção, e o roubo pode ocorrer em terras do Estado ou propriedade privada.
Em 2020, num alerta de consciencialização o FWS pediu às pessoas que não comprassem plantas carnívoras e pediu aos colecionadores que ajudassem na caça furtiva do popular vaso de planta. É que as populações desta planta carnívora endémica da Carolina do Norte e do Sul estão em sério declínio por causa da perda de habitat e foi declarado crime em 2014.
Num outro artigo do The Guardian destacou como a recente moda global da jardinagem, incentivada pela quarentena da pandemia também está a estimular a caça ilegal de plantas nas Filipinas. Plantas carnívoras e usadas para em bonsai tornaram-se especialmente populares, e essas e outras espécies ameaçadas de extinção estão a ser desenterradas de florestas e montanhas como nunca se viu.
Os emblemáticos catos Saguaro são outra planta selvagem agora ameaçada de extinção devido às mudanças climáticas e à caça ilegal. Segundo a Natural Curiosity, os Saguaros crescem muito lentamente, levando cerca de 50 anos para atingir um metro de altura. Os catos normalmente não começam a desenvolver seus famosos braços antes de terem pelo menos 70 anos de idade, e podem viver cerca de 150 anos. Cobiçados pelos colecionadores, os cacos são vendidos por 80€ o pé. Mas a caça furtiva do Saguaro chegou ao ponto em que plantas silvestres são agora microchipadas para serem rastreadas e impedir a caça furtiva.
Segundo a Natural Curiosity, embora não seja tão amplamente noticiado como a caça furtiva de animais, a remoção de plantas da natureza tem um "efeito igualmente um impacto importante no equilíbrio vital necessário para manter os ecossistemas saudáveis". O artigo também abordou um problema enfrentado por pequenas suculentas em forma de roseta na Califórnia. Essas suculentas evitam a erosão em rochas e penhascos onde poucas outras plantas conseguem sobreviver, e removê-las desestabiliza toda a base do ecossistema. E é exatamente isso que está acontecer devido à demanda consumista por plantas durante a pandemia.
À medida que plantas como monsteras, hoyas e suculentas ganharam popularidade nas redes sociais, caçadores furtivos foram recrutados para obtê-las independentemente das consequências que isso provoque.
Foram sugeridas algumas dicas para colecionadores de plantas raras para perceberem como podem estar a comprar plantas roubadas e evitar fazê-lo:
- Examinar todo o tabuleiro. As plantas propagadas em viveiro têm uma dimensão uniforme. As plantas recolhidas na natureza ilegalmente têm maior probabilidade de variar em tamanho.
- Examinar o solo. O solo do viveiro é uniforme, geralmente com turfa estéril. Cascalho e areia misturados no solo são uma sinal.
- Procure outras espécies no mesmo vaso. Vasos com ervas daninhas são outra indicação de que as plantas foram retiradas da natureza.
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