sábado, 30 de dezembro de 2023

O Ar da Europa É o Mais Seco dos Últimos 400 Anos

 Um estudo dos anéis das árvores mostra a seca atmosférica. Artigo publicado no jornal La Vanguardia de 28 de Dezembro de 2023:



"Em Espanha, reinava Filipe III, o Piedoso, e, do ponto de vista climático, uma Pequena Idade do Gelo que até congelou o Tejo dominava a Europa. Desde então, no início do século XVII, o ar não tem sido tão seco como agora, e desta vez não é devido ao frio, mas sim ao aumento das temperaturas. Esta é a principal conclusão de cerca de cinquenta cientistas que identificaram a anomalia nos anéis de árvores por toda a Europa. Nos últimos 30 anos, a aridez nos céus europeus tem sido maior do que nos últimos 400. A seca atmosférica une-se à provocada pela falta de chuva e à secura do solo. Este cocktail pode estar na origem dos incêndios dos últimos verões e das más colheitas no sul do continente.

Uma rede de 67 cientistas participou numa investigação liderada por dendroclimatólogos do Instituto Federal Suíço de Investigação sobre Florestas, Neve e Paisagem, WSL. A dendroclimatologia estuda o clima nas árvores. A cada primavera, elas crescem, manifestando-se num alargamento anelar do tronco. A espessura de cada anel depende do sucesso da árvore nesse ano, da disponibilidade de água, sol, nutrientes, entre outros fatores. A celulose desta madeira é composta por átomos de carbono, hidrogénio e oxigénio. Com as variações deste último, a investigadora do WSL, Kerstin Treydte, e seus colegas conseguiram determinar a humidade presente no ar há 10, 100 e até 400 anos.

Esta análise detalhada das variações na espessura dos anéis de árvores permitiu aos cientistas reconstruir a humidade atmosférica ao longo de períodos significativos, como 10, 100 e até 400 anos atrás. O resultado surpreendente é que, desde o início do século XVII, não houve um período tão seco quanto o que estamos a viver agora, e esta condição não é causada pelo frio, mas sim pelo aumento das temperaturas.

Essa rede de 67 cientistas fornece uma visão valiosa sobre as condições climáticas passadas e destaca as mudanças significativas que ocorreram no ambiente europeu. O estudo baseado na dendroclimatologia destaca a importância de compreender a história climática para avaliar os desafios atuais e antecipar possíveis impactos futuros.

Estes novos dados vêm complicar o cenário de seca. A principal causa é a meteorológica, decorrente da falta de precipitação. Com ela, a consequência mais imediata é a seca agrícola, seguida pela hidrológica, que envolve a escassez de água em reservatórios naturais ou construídos pelo ser humano. Até agora, esta última afetava principalmente os países do sul, especialmente a Espanha. No entanto, o défice hídrico também estava a ocorrer no ar em grandes áreas do resto da Europa ocidental, central e oriental. Agora, graças à informação sobre o Défice de Pressão de Vapor (VPD, na sigla em inglês), a gravidade e a extensão da seca atmosférica em todo o continente foram quantificadas. Desde o extremo norte até ao Mediterrâneo, apenas na faixa sul dos países escandinavos o aumento deste défice de pressão não é tão histórico.

Impacto nas culturas

"O VPD é particularmente importante para a agricultura porque quanto mais elevado for, maior será a prpcura da de água das culturas. É necessário mais rega e o rendimento tende a diminuir", afirma Treydte. Isso é o que tem acontecido em muitas regiões europeias, como as espanholas, pelo menos desde 2015. Este ano, juntamente com 2003 e 2018, registou as maiores anomalias no VPD nos últimos 400 anos, exceto em 1709.

Com este défice de humidade disponível no ar, desencadeia-se um processo complexo com consequências potencialmente catastróficas. Não são tempos normais e, se o ambiente ficar mais seco, os estomas fecham para evitar uma transpiração excessiva. Isso interrompe a fotossíntese e toda a troca de gases. As plantas ficam secas e, se a secura ambiental persistir, a sua sobrevivência pode estar em perigo. No campo, isso pode ser combatido com irrigação, se houver água. Mas na natureza, não há salva-vidas.

"Independentemente da disponibilidade de humidade do solo, em casos extremos, pode acontecer que ainda haja água suficiente no solo para as plantas. No entanto, a procura de água da atmosfera, ou seja, o VPD, puxa com tanta força o sistema de transporte hídrico das plantas que estas podem colapsar", explica a investigadora.

El aire de Europa es el más seco de los últimos 400 años (pág 25) | MIGUEL ÁNGEL CRIADO | El País (28/12/2023)

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