domingo, 3 de março de 2024

Agricultores que Não Compram o Discurso Anti-Ambiental

"A criadora de gado Laura Martínez, de 31 anos, tem comparecido às manifestações de protesto com os seus colegas do campo porque partilha muitas das reivindicações, mas não aquelas que visam relaxar as medidas ambientais que afetam as explorações agropecuárias. "Não faz sentido falar em remover a Agenda 2030 [acordo das Nações Unidas sobre desenvolvimento sustentável] ou em não reduzir o uso de pesticidas. Dependemos do ecossistema e se o destruirmos, não sei como vamos sobreviver", afirma. 

Com ela, outros agricultores consideram um erro atribuir os problemas que o setor enfrenta às exigências ambientais impostas pela Europa para aceder aos apoios da PAC (Política Agrícola Comum). Ou responsabilizar o Pacto Verde, a estratégia da UE para alcançar a neutralidade climática em 2050, que estava prevista para o futuro e que visava reduzir para metade o uso de pesticidas, herbicidas, inseticidas..., um ponto que foi interrompido. Outra questão, alertam, é a forma como Bruxelas pretende implementar estes requisitos, o que pode levar ao desaparecimento das pequenas explorações devido à sua incapacidade para se adaptarem às mudanças.

Antonio Feliu, um agricultor maiorquino de 55 anos, também foi visto nas concentrações de protesto, "porque as pessoas do campo vivem mal" e devido à concorrência desleal e à excessiva burocracia com que se deparam. Mas, ao mesmo tempo, defende que o caminho a seguir é o da agricultura sustentável, que pratica na sua exploração agropecuária, composta por várias quintas que totalizam 100 hectares (o tamanho médio de uma exploração em Espanha ronda as 44 hectares, indica o Ministério da Agricultura). Nestas, cultiva frutas em modo biológico e cria vacas, porcos, cabras, ovelhas, galinhas e coelhos, que vende a particulares, cooperativas, restaurantes ou grossistas.

A de Feliu é uma das 914.871 explorações agrícolas que existiam em Espanha em 2020, menos 7,6% do que o censo de 2009, das quais cerca de 650.000 recebem prestações económicas da PAC, indica o último censo agrário publicado há dois anos.

A Feliu agrada-lhe "ter o campo bem cultivado, sem porcarias nem herbicidas. Não quero contaminar a água que vamos beber, nem a planta que depois vendemos, não é a minha filosofia de vida". Com este caminho traçado, assegura que "as medidas ambientais da PAC não podem ser suavizadas porque são insuficientes". Embora acrescente imediatamente: "Dizem que a PAC é sustentável e isso não é totalmente verdadeiro porque apostam nos grandes proprietários e na produção intensiva".


Mas a pressão das manifestações de tratores está a surtir efeito e a Europa está a ceder terreno na agenda verde. Bruxelas está a estudar tornar voluntárias 4 das 10 práticas contempladas nas Boas Condições Agrárias e Ambientais (BCAM), indispensáveis para receber os apoios da PAC, que afetam a rotação de cultivos, a manutenção dos solos ou a superfície que deve ser deixada em pousio. "Quase 55% das explorações ficariam isentas dessa condicionalidade", apontou o ministro da Agricultura, Luis Planas, após a última reunião com as principais organizações do setor, na quarta-feira.

O principal problema são os acordos de livre comércio e de concorrência desleal de outros produtos externos, mas estas protestos não devem ser silenciadas através da revogação das mínimas normas ambientais existentes", explica Helena Moreno, responsável pela agricultura da Greenpeace.

Um retrocesso que também é denunciado pela coligação Por uma PAC Alternativa, formada por criadores de gado, agricultores e ONGs ambientalistas, entre outros. "Se isto continuar assim, a PAC mais verde da história [da atual de 2023 a 2027] nem sequer chegará às obrigações de 2014", afirmam. Naquela altura, contemplava-se a manutenção de pastagens permanentes, a diversificação de culturas, o incentivo a espaços para proteger solos e a preservação da fauna selvagem que poliniza e combate pragas.

A PAC apenas exige manter sem produção 4% da superfície agrícola

As consequências

A preocupação ambiental não é exclusiva dos agricultores que cultivam de forma biológica. É o caso de Santiago Pérez, de 52 anos, que explora 60 hectares no Campo de Cartagena (Murcia), onde produz duas colheitas (alface e batata), conforme permitido pela legislação local. A experiência ensinou-lhe que "hoje estamos a sofrer as consequências das más práticas agrícolas porque se introduziu muito nitrogénio no solo".

Neste caso, as sequelas tornaram-se visíveis no mar Menor, que perdeu o seu equilíbrio e sofreu duas crises com milhares de peixes mortos devido, principalmente, à acumulação de nitratos usados como fertilizantes.

Utilizar os mínimos fitossanitários "é o melhor para o manejo do produto e para vender qualidade", assegura o agricultor que exporta parte da sua produção. Cerca de 15 dias antes da colheita, Pérez não aplica substâncias químicas, o que evita a sua presença. Também mantém quase metade do seu terreno em pousio com o objetivo de recuperar a terra. O descanso do solo é uma das medidas que a PAC considerava obrigatória e que foi reduzida. Agora, os agricultores só precisam de manter 4% da sua superfície agrícola sem produção, em vez dos anteriores 7%.

Pérez está habituado à carga burocrática, um dos aspetos mais criticados pelos agricultores que pedem à Europa uma simplificação administrativa. Ele não solicita a PAC, mas apresenta um relatório de controlo à Confederação Hidrográfica do Segura (CHS) e outro à comunidade autónoma. Neles, indica a quantidade de água utilizada, as culturas cultivadas, o fertilizante aplicado... "São praticamente iguais, estamos a duplicar papéis", alerta. Além disso, possui um livro digital onde os seus clientes podem consultar a rastreabilidade da "alface que acabaram de receber". Pérez entende que para uma exploração pequena é demasiada burocracia.

Agricultores que no compran el discurso antiambiental | E. Sánchez / S. Castro | El País | 3 de Março de 2024

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