domingo, 30 de junho de 2024

A rosa Narcea Cheira como as Rosas de Antigamente

Uma amiga que conheci precisamente neste blog, e que sabia muito de roseiras (tenho inclusive uma que me deu) chamou-me na altura a atenção para este tema: as roseiras modernas, ao contrário das roseiras antigas, não têm cheiro. 

Na edição de ontem, o jornal El País trouxe um artigo sobre a rosa Narcea descoberta, por mero acaso, por Carmem Martinz (no fim do artigo deixo um vídeo com a investigadora)

"Da mesma forma que se tem a sensação de que os tomates já não sabem a tomate, com as roseiras passa-se algo semelhante. Cada vez mais aficionados da jardinagem vão aos viveiros à procura do “cheiro perdido” das rosas. “No último século, tentou-se recuperar o aroma das rosas, como fez o horticultor britânico David Austin nos anos sessenta, procurando hibridar variedades antigas com as modernas para obter o melhor de ambos os mundos”, explica Marina Barcenilla, perfumista e investigadora científica da Universidade de Westminster. “Assim, se queremos plantar roseiras perfumadas, temos de procurar nos viveiros as rosas de David Austin, rosas inglesas e rosas antigas de jardim, que são as mais fragrantes”, acrescenta.

A maioria das rosas que se cultivam hoje pertence à família das rosas modernas, obtidas a partir de 1867 mediante cruzamentos artificiais e programas de melhoramento com fins ornamentais. Hoje, apenas duas variedades de rosa natural se cultivam e destinam à indústria da perfumaria: a rosa Damascena, com um cheiro mais clássico, rico e denso de matizes especiadas, e a rosa Centifolia, de aroma mais herbal e leve, com notas doces. A estas duas rosas naturais selecionadas poderá juntar-se nos próximos anos uma insólita variedade de origem asturiana: a rosa Narcea, descoberta em 2017 por Carmen Martínez, investigadora da Missão Biológica da Galiza do Conselho Superior de Investigações Científicas (CSIC).

“A descoberta da rosa Narcea foi uma casualidade e uma junção de pontos. Estava a passear pelas ruas de Sófia, na Bulgária, em maio, que é a época de floração da rosa Damascena, e aproximei-me para cheirar uma das roseiras da rua. De repente, surgiu-me uma memória olfativa muito intensa, com imagens e cheiros muito concretos que me recordavam a minha infância nas Astúrias, na primavera. Não era exatamente o mesmo cheiro que eu recordava, mas continha uma intensidade aromática que não tinha voltado a sentir na minha vida”, descreve a investigadora.

Quando voltou a Espanha, Martínez viajou até Carballo, no concelho asturiano de Cangas do Narcea, de onde a sua família é originária e onde tinham a tradição de plantar, em honra às crianças, por ocasião do seu décimo segundo aniversário, uma árvore ou arbusto que perdurasse ao longo da sua vida. Ao seu pai plantaram uma roseira. Junto ao muro de entrada da antiga casa permanecia este exemplar quase esquecido, junto a outro proveniente do primeiro, de tronco sarmentoso e flores de cor rosa-fúcsia. Durante gerações tinham sido famosos na aldeia pelo perfume que exalavam em maio.

“A minha experiência de mais de 35 anos na recuperação e reintrodução no mercado de antigas variedades de videiras esquecidas fez-me pensar na possibilidade de trabalhar com esta rosa como um recurso agrícola de interesse e utilidade”, afirma Martínez, que entrou em contacto com especialistas em botânica e enviou para Itália amostras do ADN da rosa asturiana para comparar com o banco mundial de dados de ADN de rosas antigas. “Assim, comprovámos que é uma rosa única no mundo, um híbrido local natural, entre a antiga rosa Gallica, quase desaparecida, e a rosa Centifolia, que se utiliza na indústria do perfume”, explica a investigadora, que em 2020 publicou os resultados da sua descoberta na revista Horticulture Research.

El País, 29 Jun 2024, BEATRIZ PORTINARI

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