sábado, 4 de novembro de 2023

Das Camélias

A camélia é a flor à imagem de uma cidade considerada, no século XIX, pelos que a visitavam, romântica (apesar da tuberculose, do tifo, da peste bubónica e das maleitas sociais que atormentavam as gentes dos lugares onde as japoneiras não medravam). Nos invernos frios e soturnos do Porto, destacavam-se as cameleiras que, por toda a parte, floresciam. Em certos bairros, nas zonas oriental ou ocidental, raro era o jardim em que as camélias não davam um toque exuberante aos lugares, caracterizando o seu espírito. Em 1890, Georges de Saint-Victor escrevia: “O Porto é a pátria das camélias. Há jardins com elas floridos nos invernos. Até nos cemitérios as há”.

E, em 1955, dizia Armando de Lucena: “Quintais e alegretes, ora interrompidos por maciços húmidos de verdura, donde emergem, em manchas alvas como a neve e rubras como o sangue, em toda a sua opulência plástica, as formosíssimas camélias (... ). São essas flores que dominam o Porto na sua paisagem de Inverno”.

Tal como a flor-de-lis era o símbolo da França, o cardo da Irlanda, a tulipa dos Países Baixos, a “rosa japónica” bem pode associar-se à cidade do Porto. Beneficiando do perfeito enquadramento no ecossistema da região, terá sido aqui plantada, pela primeira vez, no século XVI, logo conquistando a população. No início do século XX, a Quinta das Virtudes oferecia um catálogo com 606 variedades de camélias, das quais 184 com origem local. Por tudo isto, sendo as minhas flores preferidas, se eu mandasse, em jardins grandes, pequenos, nesgas, canteiros e tudo o mais, enchia o Porto de camélias. Como sua verdadeira pátria.

Das Camélias / Passeio Público / Hélder Pacheco / Jornal de Notícias (04/11/2023)

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