segunda-feira, 20 de novembro de 2023

Gilles Clément - O Jardineiro Filósofo

"Clément (Argenton-sur-Creuse, França, 80 anos) diz que deixou a misantropia para trás e aproxima-se de algo parecido com a tranquilidade. Nele, grandes doses de sabedoria e uma capacidade de admiração intacta. Este paisagista, jardineiro filosófico e ensaísta é o pai das teorias mais revolucionárias do jardim contemporâneo. Os seus conceitos do jardim em movimento e planetário deram a volta a esse espaço de terra onde cultivar e proteger. Para ele, o vivo deve estar acima da arquitetura e propõe uma reconciliação do homem com sua ânsia de dominar a natureza, dando voz aos eternamente silenciados: os insetos e as ervas daninhas.

Prémio Mundial de Arquitetura Sustentável em 2022, há muito tempo deixou de fazer "jardins para ricos" e dedica o seu tempo a projetos públicos, como o Jardim do Centre Pompidou-Metz ao lado do seu ex-aluno Christophe Ponceau. E ele trabalha num livro sobre encontros com as pessoas que o influenciaram na sua carreira, que ele espera publicar em 2024.

Engenheiro agrónomo e professor na Escola Nacional Superior de paisagismo de Versalhes, desenvolveu, sem querer, um pensamento fundamental em várias obras que obrigam a entender o jardim com novos olhos. 

A história do paisagismo, tal como a conhecemos, tem um antes e um depois deste homem que afirma que todo o planeta é um único jardim limitado pela biosfera, e o ser humano não é mais do que o jardineiro encarregado de cuidá-lo. Diz que não aprendeu muito com seus pais. Na sua infância na Argélia, os cenários desérticos o desconcertavam, mas no jardim da família, maravilhava-se ao se perguntar como aquela lagarta que acabara de encontrar entre a relva se transformaria numa borboleta. Foi também lá que, manipulando venenos para matar pulgões que invadiam as roseiras, adoeceu devido a um pesticida. Esse acidente fez com que ele refletisse sobre toda a artilharia de guerra que era usada no campo, venenos projetados para matar insetos, mas também o jardineiro.

Quando começou a projetar jardins, suspeitava que havia alguma maneira alternativa de se relacionar com a natureza, mas não podia colocar suas ideias em prática sem um jardim próprio. No final dos anos setenta, conseguiu um espaço onde podia não fazer nada para observar a reação de ervas e arbustos, sem a necessidade de eliminar as irritantes infestantes nem envenenar o solo ou a água. Aos poucos, foi compreendendo as inter-relações entre as espécies e elaborando a sua teoria: as plantas, senhores, movem-se. 

O jardim deve mudar. Deve caminhar. E permanecer intocado, como a sua famosa ilha no parque Henri Matisse em Lille. O paisagista basco Iñigo Segurola, autor do aclamado jardim-laboratório de Gipuzcoa, reconhece nos postulados de Clément os eixos do seu pensamento. Lembra-se da expressão que ele fez quando o chamou de "guru" ao apresentá-lo num evento nos anos noventa. "Ele é tão humilde que não gosta de se destacar, e chamar-lhe assim o deixou perplexo".

Viúvo há alguns anos, o jardineiro ensaísta escreve a partir de um coração comovido pela natureza e uma sensibilidade de poeta. Divide o seu dia numa atividade ágil, a mesma que tem feito nos últimos 40 anos. De manhã, escreve em casa, e à tarde, após uma sesta importante, desce a pé até ao seu jardim. Lá, alguns hectares de natureza o aguardam, orientados pela escuta e pelo respeito, deixando as espécies locais expressarem-se e intervindo de maneira leve. 

O seu jardim é todos os jardins; ali, ele poda, escuta, orienta, escava com as mãos, observa, talvez coloca algum suporte ou permite que uma ou outra espécie se agarre à terra se assim decidirem. Trabalha até se cansar. Depois, mesmo nos primeiros dias de outono, antes que o frio chegue, ele banha-se no lago com um sabonete biodegradável e volta para casa com a satisfação de ter vivido plenamente. 

Como aqueles monges jainistas que varrem o chão por onde passam para não esmagar nenhum inseto, Clément também não se considera com autoridade para matar qualquer criatura. A sua própria casa é um ninho. No seu telhado, algumas serpentes e um rato-nutria coexistem, ao qual ele deu o nome de Grisonné, e às vezes ele precisa chamar a atenção subindo ao piano para que ele pare de fazer barulho (e possa dormir).

Elita Acosta, diretora editorial da Verde é Vida, destaca o seu plano espiritual: "Clément transcende o genius loci, o espírito do lugar; fala de um animismo do século XXI, onde tudo o que faz parte da natureza, até mesmo o inanimado, é igualmente importante e deve ser cuidado, respeitado e preservado". 

Clément, jardineiro universal, afirma que devemos deixar a natureza em paz para que ela se expresse livremente. Apesar das mudanças climáticas, ele acredita numa reconciliação com a natureza. Fala sobre os jovens que chegam ao meio rural e tentam produzir plantas e legumes com novos métodos. "Eles entenderam tudo", diz por videoconferência. "Nós, acostumados a viver luxuosamente, desperdiçamos eletricidade, água... Não estamos à altura. Mas acredito neles. Tenho esperança neste jardim chamado Terra".

El Jardinero Filsofo / Carlos Risco / El País (19 de Novembro de 2023)

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