segunda-feira, 29 de janeiro de 2024

Quais as Consequências das Altas Temperaturas no Inverno nas Plantas?

Neste momento em que escrevo estamos no fim do mês de janeiro e eu posso dizer que neste inverno ainda não vi geada. Neste última semana de pleno inverno, chegamos ao cúmulo de termos em Portugal temperaturas acima dos 20ºC, mais ou menos as mesmas temperaturas que fazia no Rio de Janeiro que está no pico do verão. E lembrar que, por exemplo, o sul de Espanha teve, no final do ano, temperaturas a rondar os 30º e era ver os espanhóis, em altura do Natal, a correr para as praias. 

Ainda que muitos, muitas vezes motivados por questões ideológicas, o neguem, a verdade é que o clima está a mudar, e muito rapidamente e lembrar também a questão da falta de água que já se coloca, tanto em Espanha, como no Algarve. 

E quais as consequências destas mudanças radicais no clima para as plantas? É isso que podemos ficar a saber neste artigo do El País, publicado hoje.


"As altas temperaturas alteram os ritmos de muitas plantas, que, face a outonos e invernos amenos, florescem mais cedo e até podem fazê-lo duas vezes. Este janeiro, Javier Cano, chefe do instituto meteorológico de Getafe da Aemet, deparou-se pela primeira vez, em 44 anos de observações ininterruptas na Comunidade de Madrid, com algum exemplar de amendoeira ainda em flor e com folhas verdes da temporada passada, que deveriam ter desaparecido no final do outono ou início do inverno. "É uma anomalia que nunca tinha visto e pode dever-se à escassez de geadas, necessárias para que a árvore se desfaça dessas folhas", explica. Além disso, as primeiras flores surgiram 16 dias antes de 7 de fevereiro, a data média de início da floração, tomando como referência as últimas três décadas.

Os dados de Cano confirmam que este adiantamento nas amendoeiras do sul e centro de Madrid, uma das espécies que floresce mais cedo, tornou-se uma tendência: em quatro décadas, as pétalas aparecem cinco dias antes. As alterações na floração são detetadas há anos em diferentes espécies.

A Catalunha é um exemplo claro. As temperaturas de setembro e outubro do ano passado, muito mais quentes do que o habitual, transformaram o outono numa segunda primavera, indica o Centro público de Investigação Ecológica e Aplicações Florestais (CREAF). As plantas decidiram regressar ao traje primaveril: a vinha do Penedès e o Garraf rebrotaram, a queda das folhas das árvores caducifólias atrasou-se e várias plantas selvagens e árvores frutíferas floresceram pela segunda vez, desde as Terres de l'Ebre até à Catalunha Norte.

Em 2022, a voragem foi semelhante e as roseiras de montanha das zonas interiores da Catalunha floresceram quatro ou cinco meses antes do habitual, um facto inédito, que foi registado por voluntários do observatório RitmeNatura, uma iniciativa de ciência cidadã gerida pelo CREAF e pelo Servei Meteorològic de Catalunya. "Mesmo", destaca o CREAF, "chegaram a produzir fruto pela segunda e até terceira vez, árvores como a pereira ou a cerejeira". Ainda não foram estudados os efeitos do atual episódio de calor em Espanha, onde foram batidos 68 recordes de temperaturas.

Não são anomalias inócuas, adverte Ester Prat, coordenadora do RitmeNatura. "Embora as segundas florações sejam mais discretas, a planta precisa de água e pode representar a despesa de recursos que necessitará na primavera", adverte. Também pode acontecer que as flores se abram antes de aparecerem os insetos, "o que afetaria a produção de frutos pela falta de polinização, em última análise, a sobrevivência da espécie", acrescenta Joan Pino, diretor do CREAF. E o perigo das temidas geadas tardias acentua-se, pois podem causar danos maiores do que em décadas anteriores, quando as plantas sofriam, mas não com tanta intensidade por não acordarem antes do tempo do seu retiro invernal.

Andrés Bravo, investigador do Museu Nacional de Ciências Naturais, dependente do Conselho Superior de Investigação Científica (CSIC), destaca a necessidade de investigar em profundidade os efeitos das altas temperaturas invernais, às quais não tem sido dada tanta atenção quanto às temperaturas de verão por serem menos comuns. "Estas perturbações respondem a fatores globais e devem ser analisadas em conjunto", comenta.

Crescimento

Ele exemplifica com a afetação ao crescimento de uma árvore. "Se não chover no inverno nem na primavera e a temperatura estiver acima do normal, pode ocorrer um colapso no seu crescimento e, muito provavelmente, aumentará a mortalidade", acredita Bravo. É uma combinação de calor e falta de precipitação; "se isso acontecer, é catastrófico para o seu desenvolvimento e, se a isso se acrescentar uma geada tardia, o problema amplifica-se".

Bravo acrescenta que é o momento de "considerar uma gestão das florestas que permita reduzir a competição por água com espécies mais bem adaptadas quando são realizadas repovoamentos". Porque esses períodos de calor no inverno serão cada vez mais frequentes, e são episódios que evidenciam o problema. "São muito chamativos; as pessoas percebem mais que algo está errado se no inverno houver temperaturas altas, porque se estivesse frio, mas não chovesse, a perceção não seria a mesma", sugere.

A situação gera grande preocupação nas explorações agrícolas. O grupo de pesquisa do Centro de Investigaciones Científicas y Tecnológicas de Extremadura trabalha na biologia reprodutiva e nas necessidades de frio das árvores frutíferas. María Engracia Guerrero, membro da equipa, explica que estão a desenvolver "vários projetos, porque os invernos são um pouco mais amenos e árvores que floresciam perfeitamente há 20 anos agora têm problemas, pois cada espécie precisa de alguns dias de frio que agora não tem, e algumas flores não dão fruto", detalha.

Quando as folhas das árvores frutíferas caem, a árvore entra em repouso e acumula reservas, ao mesmo tempo que o botão se forma, algo impercetível do exterior. Para isso, precisam de algumas horas de frio e, em seguida, calor, e quando esse ciclo se completa, revivem e florescem. No entanto, atualmente, "o calor é fácil de alcançar, mas o frio não".

Os investigadores fazem projeções para o futuro, a 50 e 80 anos, estudam os genes relacionados com essa necessidade de temperaturas baixas e as variedades que são geneticamente compatíveis. "Em algumas, como a cerejeira, sabemos qual é o gene", esclarece. O objetivo é que os agricultores saibam que variedade devem escolher. Existem algumas, como o ameixeira japonesa, que foram cultivadas tradicionalmente e "que não poderão ser plantadas daqui a 50 anos se não forem substituídas por uma variedade que precise de acumular menos frio para florescer adequadamente".

Um dos futuros mais sombrios paira sobre as plantas de alta montanha, afirma Pablo Vargas, investigador do Jardim Botânico de Madrid (CSIC). "São os melhores bioindicadores das mudanças climáticas, especialmente as das cimas mediterrâneas que já se encontram muito mal", sustenta. A fuga mais rápida para uma planta, que não tem tempo para evoluir e adaptar-se às novas condições, é migrar para áreas de clima semelhante. No entanto, não têm tarefa fácil, pois os habitats adequados diminuem, não há mais espaço para subir. Isso acontece, por exemplo, em Sierra Nevada (Granada), com a espuela (Linaria glacialis) e a amapola de Sierra Nevada (Papaver lapeyrousianum). "A outra opção de uma planta assediada é resistir, pôr em prática a sua capacidade de resistência, como acontece com a azinheira ou o azevinho (azeitona silvestre), mas isso depende não apenas da espécie em questão, mas dos indivíduos", esclarece.

"Este calor inusual desorienta a las plantas" | Esther Sánchez | El País (29 de janeiro de 2024)

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